quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ALEMANHA, MERKEL, A CRISE EUROPEIA E UM PUNHADO DE DÚVIDAS

Alemanha vence queda de braço pela punição a países endividados

Acordo foi costurado com França, que vinha defendendo liberação de mais empréstimos

Do El Pais, com agências internacionais
PARIS, LONDRES e WASHINGTON - Não. Foi o que disse nesta quinta-feira a chanceler Angela Merkel depois de se reunir em Estrasburgo com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o novo premier italiano, Mario Monti. Não aos eurobônus. Não aos empréstimos ilimitados do Banco Central Europeu (BCE). E sim à união fiscal e aos castigos para os países indisciplinados. Merkel e Sarkozy anunciaram que apresentarão em breve uma proposta para reformar os tratados da União Europeia (UE) para reforçar a união monetária e fiscal, com sanções aos países desobedientes. Essa proposta será levada aos demais sócios do bloco antes da próxima cúpula, no dia 9 de dezembro. Para Merkel, só há um caminho para estabilizar a moeda comum e recuperar a confiança no euro:
— Uma união fiscal com mais integração política.
A chanceler fez com que Sarkozy, que vinha defendendo uma maior atuação do BCE nos mercados da dívida, afirmasse após a reunião:
— O BCE não está em debate, e não há porque falar da instituição, porque ela é independente.
— Acreditamos em um euro forte, que seja visto como uma moeda estável em todo o mundo, e faremos o impossível para defendê-lo — afirmou Merkel, acrescentando que esta é a razão para reformar os tratados.
Para a chanceler, os problemas atuais se devem à "debilidade da construção política europeia". Merkel continuou inflexível em sua posição contrária aos eurobônus, que, afirmou, "igualariam as taxas de juros de todos os países, o que nos impediria de saber onde estão os problemas". Frente à firmeza da maior economia da Europa, França e Itália tiveram de ceder. Após a reunião, Monti afirmou que os três concordaram que "a prioridade é uma boa saúde da zona do euro".
— Podemos ser teimosos ou recuar — disse Sarkozy. — A França tem uma cultura e a Alemanha, outra, tentamos nos entender o melhor possível, e falo todos os dias com Merkel. Mas acham realmente que concordamos em tudo?
Bancos veem ‘nova recessão’ na Europa
Mas os mercados não gostaram das declarações de Merkel. O retorno sobre os bônus de dez anos alemães atingiu 2,19% — há dois meses, estava em 1,64%, segundo a agência Bloomberg. Sua diferença para os títulos do Tesouro americano (1,88% ao ano) está no maior patamar em 30 meses, sinal de que os investidores estão se desfazendo dos papéis alemães, até há pouco considerados um porto seguro.
— O Titanic e a moeda única não podem continuar em sua forma atual — disse à Bloomberg Stuart Thomson, administrador de recursos da Ignis Asset Management.
A preocupação com a saúde da economia europeia foi reforçada ontem por um relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), segundo o qual a situação na zona do euro piorou no último mês, recuando para "uma nova recessão". O IIF, associação que reúne cerca de 400 banqueiros, prevê que a economia europeia vai encolher 1% em 2012. No trimestre corrente, a retração será de 2%.
"A situação na zona do euro deu um forte giro negativo no mês passado. A economia entrou no que consideramos uma nova recessão", afirmou o IIF em um relatório sobre as perspectivas econômicas mundiais para 2011 e 2012. Segundo o instituto, essa nova recessão vai ampliar os déficits orçamentários e enfraquecer ainda mais os ativos financeiros na zona do euro.
A Alemanha, considerada o motor da economia da região, cresceu 0,5% de junho a setembro, O IIF afirmou que o programa de redução da dívida grega "está espantando os investidores" e que vários países, inclusive a Itália, foram "dolorosamente lentos na hora de adotar reformas". Em posição contrária à de Merkel, ressaltou que só o BCE poderá oferecer um "apoio realista" nas próximas semanas. O re$ório ainda alertou que "a debilidade na zona do euro pode estender-se ao resto do mundo".
A intransigência da chanceler alemã ainda foi alvo de críticas da revista "Economist" que chegou às bancas britânicas ontem. Esta diz que Merkel precisa decidir entre ameaçar economias com a exclusão do euro e tranquilizar os mercados prometendo salvar a moeda única, ou "vai descobrir que fizeram a escolha por ela".
Mas o sinal de que Merkel sairia vencedora da reunião de ontem veio antes mesmo de esta começar: o governo francês ofereceu como lanche aos cem jornalistas credenciados salsichas com repolho.
Merkel, a mulher mais poderosa do mundo sob desconfiança

Crise obrigou chanceler alemã a mudar de postura, mas muitos não a veem à altura dos desafios

Paulo Thiago de Mello - O Globo
RIO - Eleita a mulher mais poderosa do mundo pela revista "Forbes", a chanceler alemã, Angela Merkel, consegue intrigar até mesmo aliados políticos e a imprensa europeia. "Salvadora da Europa ou seu maior problema?", indaga o jornal britânico "The Guardian"; "Anjo ou demônio?", pergunta o "Observer". A inquietação provém da percepção de que a dama de ferro da Alemanha detém nas mãos o destino econômico da zona do euro, mas os críticos dizem que ela não está à altura da tarefa.
Aos 57 anos, Merkel foi uma das crias do ex-chanceler Helmut Kohl, afastado do cargo em meio a um escândalo sobre financiamento de campanha. Entre os democratas cristãos, ele se referia à Merkel de forma um tanto paternal como "das $ädchen": a menina. Mas foi uma carta da "menina", publicada no principal jornal conservador da Alemanha, o "Frankfurter Allgemeine Zeitung", em 22 de dezembro de 1999, que chamou a atenção para Merkel como uma opção de renovação da União Democrática Cristã (UDC).
Para muitos, esse é o episódio que marca o início vertiginoso da carreira política de Merkel. No ano seguinte, ela foi eleita líder da UDC e, cinco anos depois, a primeira mulher chanceler da Alemanha. Outros a veem como uma política dotada de aguda perspicácia e oportunista, capaz de decisões duras e, se necessário, atos sujos para alcançar os fins políticos.
O "Guardian" lembra que a conjuntura não convencional por que passa a Europa, marcada pela pior crise da era do euro, impõe grandes dificuldades a alguém que construiu sua carreira $ítica na arte da cautela e do consenso. Mais do que low profile, Merkel é vista como alguém sem carisma, que em 25 anos de vida política só agiu sem paixão. Alguém que, como aponta seu biógrafo, "não fez um discurso sequer que tenha ficado na memória". "Uma moderadora, não uma líder", segundo o "Guardian".
Mas, neste momento em que o euro se aproxima do precipício, ela tem apresentado características de uma personalidade mais firme e decisiva. Obrigada pelas circunstâncias, Merkel inverteu o adágio e tem agido duas vezes antes de pensar. Na mais recente demonstração do pragmatismo das Mädchen, Merkel, que detesta Nicolas Sarkozy, como homem e estadista, estabeleceu com o presidente francês uma relação funcional, por meio da qual ela vem impondo a posição alemã para uma possível solução da crise.



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