domingo, 20 de novembro de 2011

LEI SECA

Amargo, mas necessário

RICARDO FERRAÇO - FSP
É preciso aumentar o rigor da Lei Seca?
SIM
Anestesiados por tantas tragédias de trânsito, bombardeados por estatísticas alarmantes, corremos o risco de perder o que temos de mais humano: a capacidade de indignação. O recorde de 40.600 mortes em 2010 soa como um número a mais, que não conseguimos traduzir em dor e sofrimento.
E, no entanto, em algum lugar do Brasil, mais uma criança é atropelada enquanto acordamos e escovamos os dentes; um carro na contramão esmaga um homem e duas mulheres enquanto tomamos banho e nos vestimos; mãe e filho agonizam na estrada durante nosso café da manhã. Ao longo do dia, pais avós, amigos, namorados, irmãos e filhos choram e se desesperam.
À noite, enquanto vemos o jornal ou a novela, um motorista imprudente mata duas pessoas; a cada hora da madrugada, quatro jovens morrem entre as ferragens na saída de uma festa ou de um bar.
Peço emprestada uma frase de um dos tantos artigos sobre trânsito publicados recentemente: "Temos um exército de homicidas e suicidas em potencial ao volante, que pilotam estimulados por álcool, deprimidos por drogas ou excitados pela sensação de onipotência".
Não é retórica. Pesquisa do Ministério da Saúde mostra que, em 2010, esse exército de homicidas e suicidas matou 111 pessoas por dia e deixou internadas outras 146 mil.
Só no SUS, foram gastos R$ 187 milhões com acidentados (65% dos sobreviventes vão ficar com sequelas graves). Mais: se as estatísticas incluíssem quem morre dias ou meses depois dos acidentes, por conta dos traumas, seriam cerca de 80 mil vítimas fatais por ano.
São motivos de sobra para revitalizar uma lei que chegou a salvar 3.000 vidas em 2008, quando entrou em vigor a Lei Seca.
De lá para cá, o medo de ser pego no bafômetro foi diminuindo, junto com a fiscalização e com as campanhas de conscientização.
A lei caiu no vazio depois que a Justiça referendou que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Hoje, a maioria dos motoristas se recusa a passar pelo teste e não pode ser incriminada, mesmo se estiver trocando as pernas.
Não adianta ter uma ótima lei se ela não pode ser executada. É esse o maior mérito do projeto que aprovamos no Senado: a tolerância zero dispensa exames técnicos para quantificar o álcool no sangue. Vídeos ou provas testemunhais bastam para incriminar um motorista visivelmente embriagado.
O remédio é amargo demais, alfinetam alguns. Será? É um remédio apropriado para uma epidemia. Um remédio que corta o mal pela raiz (a bebida está por trás de 40% das mortes no trânsito). Fica claro que dirigir sob efeito de álcool e outras drogas é crime, haja ou não acidente. Entendimento, aliás, já expresso em julgamento por dois ministros do STF.
Vale lembrar que o porte ilegal de armas também é crime, independentemente de assassinato.
Quando o atual Código de Trânsito substituiu o anterior e passou a tipificar e estabelecer punições para crimes de trânsito, ele também foi apontado como um remédio muito amargo. Mas, em apenas um ano -1998-, o saldo das mortes caiu de 35 mil para 30 mil, e seguiu caindo até que o aumento da frota automotiva e o abandono das campanhas educativas alimentaram outra vez a violência; em 2008, o número de mortes chegou a 38 mil.
O remédio da vez foi a Lei Seca, que tratamos agora de resgatar. É o mínimo que podemos e devemos fazer -além de campanhas maciças de educação- diante de tragédias mil vezes anunciadas.
Temos hoje 65 milhões de veículos nas ruas, e a indústria automotiva anuncia investimentos de peso para os próximos anos -munição extra para um exército de motoristas despreparados e irresponsáveis.


RICARDO FERRAÇO é senador pelo PMDB/ES.

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