sexta-feira, 11 de novembro de 2011

'Nunca ninguém do sindicato ou da USP telefonou', diz pai de aluno morto na faculdade

Flávio Freire - O Globo
SÃO PAULO. "Vi ontem uma mãe na delegacia chorando porque o filho estava preso, mas ele foi preso porque escolheu. Esses alunos, esses pais, parecem não ter noção do que é chorar por ter perdido um filho. Talvez, se tivesse policiamento, o meu Felipe não teria sido morto com um tiro na cabeça".
O desabafo, resignado, é de Zélia Paiva, mãe de Felipe de Ramos Paiva, aluno da Faculdade de Economia e Administração (FEA) morto em 18 de maio deste ano no estacionamento da universidade. Foi em razão desse crime - os dois assaltantes estão presos - que a USP decidiu colocar a PM no campus, revoltando grupos de alunos, que protestaram, invadiram a reitoria, foram presos, soltos no mesmo dia e agora estão em greve.
Zélia, dona de casa, e o marido Ocimar Florentino Paiva, projetista, são a favor do policiamento na cidade universitária. Para o casal, é inconcebível um protesto que, segundo eles, pode mascarar ideologias questionáveis. Os ânimos se acirraram entre estudantes e a reitoria depois que três alunos foram presos pela PM fumando maconha. Os estudantes alegam que a luta contra a presença da polícia não é nova, nada teria a ver com o que aconteceu, e criticam a forma "agressiva" como seriam abordados.
- O que ouvimos da polícia, na época do crime, é que duas quadrilhas sempre agiram livremente lá dentro (da USP). Tem que ter policiamento, é claro. Usar drogas é contra lei e tem que impedir. A USP não pode ser um lugar que atrai traficantes - diz Ocimar.
Seis meses após perder o filho, ele se emociona ao lembrar que conseguiu, "com com muito custo", construir a casa em que cada um dos dois filhos teria seu quarto, e que ele teve um sonho interrompido: os dois se formariam no ano que vem. Ocimar cursa Engenharia Elétrica numa faculdade privada.
Na sala do sobrado recém-erguido numa rua simples de Pirituba, na periferia de São Paulo, o pai de Felipe sofre com as manifestações de alunos em pé de guerra com a USP.
- Eles (manifestantes) dizem que os alunos da FEA, da Poli e da Medicina não fazem protesto porque são filhinhos de papai. Você acha que somos ricos? Eles nem sabem contra quem ou contra o que estão protestando. Meu filho nunca fez protesto porque trabalhava desde cedo e estudava nos fins de semana para entrar e se manter num curso muito concorrido - diz, perdendo a voz, esfregando os olhos, já amparado pela mulher.
Uma cena do noticiário dos últimos dias não sai da cabeça do casal: advogados na porta do 91 DP, para onde foram levados os manifestantes, felizes porque um sindicato conseguiu arrecadar R$ 39 mil para pagar a fiança coletiva.
- Arrumaram quase R$ 40 mil para tirar da cadeia alunos que não queriam nem sair, enquanto faz seis meses que meu filho morreu e nunca ninguém de sindicato ou da USP deu sequer um telefonema para nós. Recebemos só o telegrama de um professor do Felipe, em nome dele e de alunos da classe. Foi a única manifestação de solidariedade - conta Zélia, ainda de voz firme.
A tragédia que se abateu na família criou um trauma. A filha mais nova do casal, de 21 anos, desistiu de prestar vestibular para Medicina na USP, pelo menos por enquanto.
- Precisamos retomar nossa vida, mas tem coisas que marcam muito a gente. Tem seis meses que o quarto do Felipe está do jeito que ele deixou, não conseguimos tocar em nada. Estamos pensando até em vender a casa para tentar recomeçar a vida longe de algumas lembranças - afirma Ocimar, que mensalmente paga as despesas do carro do filho, protegido com uma capa no quintal da casa. O passaporte de Felipe, emitido cinco dias antes do crime, é guardado pela família.
- Meu filho queria viajar pelo Brasil, mas também conhecer o mundo. A insegurança interrompeu o sonho dele. O país todo precisa ter mais segurança, e a USP, também. Ou vão esperar acontecer nova tragédia? - indaga o pai.











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