quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A SITUAÇÃO FINANCEIRA DA ALEMANHA LEVANTA DÚVIDAS

Finanças da Alemanha não são tão sólidas quanto muitos acreditam

Especialistas contestam discurso otimista da chanceler alemã Angela Merkel e afirmam que dívida da Alemanha está muito além do limite da UE

Der Spiegel

O governo alemão gosta de se vangloriar da solidez de suas finanças e alega que o país é um porto seguro para investidores. Mas a administração orçamentária da Alemanha não é tão exemplar quanto as pessoas acreditam, e a dívida nacional está muito além do limite da UE. Em alguns aspectos, as finanças da Itália estão muito melhores.
No que concerne a estabilidade fiscal, a frugalidade e a responsabilidade na administração econômica, a chanceler alemã Angela Merkel e o ministro das finanças Wolfgang Schäuble têm apenas um modelo: o deles mesmos.
A chanceler elogia a si e a sua equipe por terem "um norte claro para reduzir a dívida" e insiste que: "Colocar as finanças em ordem é bom para nosso país".
Seu ministro de finanças, membro do partido conservador de Merkel, os Cristãos Democratas, não é menos efusivo. A Alemanha, diz Schäuble, "é um porto seguro" para o capital, porque o "mundo todo tem grande confiança tanto no desempenho quanto na solidez das políticas fiscais da República Federal da Alemanha".
Os desdobramentos nos mercados financeiros não parecem embasá-lo. Na semana passada, as suspeitas dos investidores internacionais alcançaram o centro estável da zona do euro. Os investidores embarcaram em uma venda em massa de títulos emitidos por países supostamente modelares, como Finlândia e Áustria, e procuraram refúgio nos bônus do governo alemão.

Posição de país modelo em risco
Contudo, é discutível quanto tempo a Alemanha poderá ser considerada um refúgio de estabilidade e segurança. Na realidade, as finanças alemãs não estão nem próximas da boa forma que a chanceler e o ministro das finanças gostariam de nos fazer acreditar. Alguns índices importantes sugerem que a Alemanha talvez não mantenha sua posição de país modelo no logo prazo. A dívida do governo como percentagem do PIB está em mais de 80%. Ou seja, de forma alguma é exemplar, e sim, na melhor das hipóteses, média.
No quesito da razão da dívida contra o PIB, até países em dificuldades como a Espanha estão em melhor forma, com valores significativamente menores que 80%. Os críticos, irritados com a retórica excessivamente confiante de Merkel e Schäuble, estão começando a encontrar defeitos no país que se autoproclama modelo europeu. "Acho o nível da dívida alemã preocupante", diz o primeiro-ministro de Luxemburgo Jean-Claude Juncker, cujo país tem uma razão de dívida sobre PIB de apenas 20%.
Apesar das críticas nascentes, Merkel e Schäuble voltarão a se dar tapinhas nas costas no debate neste final de semana do orçamento federal de 2012 no Bundestag, o parlamento alemão. Eles vão salientar que a Alemanha está em muito melhor forma que seus parceiros na zona do euro, sem mencionar os EUA. Eles também vão elogiar as condições do mercado de trabalho, as receitas tributárias crescentes e o déficit orçamentário em queda.
Certamente é verdade que Schäuble espera que o déficit alemão caia de 1,3% do PIB neste ano para menos de 1% no ano que vem. Mas nada é mérito seu. De fato, ele quer incorrer em mais dívidas no ano que vem do que em 2011. Apenas os governos estaduais e municipais devem se endividar menos no ano que vem, ajudando assim a reduzir o déficit da Alemanha. Por outro lado, Schäuble espera emprestar até $26 bilhões de euros (em torno de R$ 60 bilhões) em 2012, um aumento de vários bilhões de euros sobre este ano.

Cheio de dinheiro
A razão para o aumento embaraçador é uma redução observável nos esforços de austeridade. Cheio de dinheiro, o governo de coalizão de conservadores e do Partido Democrático Livre (FDP), voltado para as empresas, redescobriu seu gosto pelos gastos. Em sua reunião mais recente, os líderes do CDU, do partido irmão da Bavária, União Social Cristã (CSU), e do FDP aprovaram novos gastos que vão significar uma carga significativa sobre o orçamento federal no futuro.
Por exemplo, o ministro de transportes, Peter Ramsauer do CSU, terá um aumento no seu orçamento de 2012 de $1bilhão de euros sobre a quantia antes orçada. Ironicamente, em sua avaliação mais recente, o Escritório Federal Alemão de Auditoria já criticou Ramsauer por não gastar os fundos alocados ao seu ministério de forma inteligente.
Cerca de $1,5 bilhão de euros foram empenhados para subsídios aos pais que no lugar de usarem as creches públicas preferem cuidar dos filhos em idade pré-escolar em casa. O governo alemão também está reintroduzindo um bônus de Natal para servidores públicos, que custarão $ 500 milhões de euros.
O governo vai dedicar $1 bilhão de euros para custear um subsídio para seguros de atendimento de longo prazo, assim como $4 bilhões para as reformas tributárias já anunciadas. "Merkel e Schäuble agora abandonaram a meta de consolidação do orçamento. O dinheiro está sendo dilapidado em subsídios ao cuidado infantil e em cortes de impostos", diz Carsten Schneider, porta-voz de assuntos de orçamento dos sociais democratas, da oposição. Jens Weidmann, presidente do banco central alemão, o Bundesbank, adverte que os cortes de impostos ao menos terão que ser compensados em outra parte do orçamento. "A Alemanha não deve equilibrar logo seu orçamento", diz ele.
O ambiente de generosidade também dominou os baixos escalões da coalizão. Por exemplo, o comitê de orçamento aprovou um financiamento adicional de $60 milhões de euros para o comissário do governo de cultura e mídia, Bernd Neumann, cujo orçamento deveria sofrer cortes de $15 milhões euros.
Outras figuras importantes também sugerem que a Alemanha não está se saindo tão bem quanto alguns acreditam. Admite-se que o déficit orçamentário continua a encolher. E o orçamento do governo federal parece que vai cumprir uma nova regra de "teto da dívida" da Constituição alemã que exige que o governo reduza novos empréstimos a quase zero até 2016.


Cores primárias
Contudo, um orçamento equilibrado não é suficiente para reduzir a razão da dívida, hoje em mais de 80%, para 60% do PIB, como exige o tratado de Maastricht, em um período de tempo razoável. De fato, muitos economistas acreditam que os superávits de orçamento são necessários para se alcançar essa meta. Eles têm em mente um número conhecido como balanço primário, que é a diferença entre a receita do governo, excluindo novas dívidas, e os gastos do governo, excluindo os custos do serviço da dívida (ou seja, pagamentos de juros).
Se esse balanço estiver em território positivo, o país pode cobrir seus gastos correntes e cumprir ao menos parte de suas obrigações de serviço da dívida. Se for negativo, o país precisa pagar toda sua dívida antiga com novos empréstimos, resultando em uma montanha de dívida em rápido crescimento.
O balanço primário tornou-se um número importante nos programas de resgate da Grécia, Portugal e Irlanda. Em troca do dinheiro, os países doadores, notavelmente a Alemanha, esperam que os países receptores gerem alto superávit orçamentário por anos. Eles argumentam que isso não é apenas absolutamente necessário, mas também possível.
Ironicamente, a Alemanha raramente cumpriu seus próprios padrões. De 2002 a 2006, por exemplo, o balanço primário do país foi cronicamente deficitário.
Por comparação, a Itália gerou um superávit primário médio de 1,3% do PIB no mesmo período. De acordo com projeções da Comissão Europeia, a Alemanha não alcançará este patamar nem mesmo no ano que vem. Em 2013, deve alcançar o superávit primário de 1,5%.
Novamente, em comparação, a Itália deve atingir um superávit primário de 3,1% no ano que vem e 4,4% em 2013. Se o governo do novo primeiro-ministro italiano Mario Monti impuser programas de austeridade, como foi pedido pelo Banco Central Europeu, o presidente Mario Draghi e outros, o superávit provavelmente será ainda maior.


Metas difíceis
A Alemanha ainda terá que avançar um longo caminho para obter números como esses, o que torna a meta de estabilizar a razão de dívida sobre o PIB em 60% realmente distante. Para alcançar esse objetivo em 10 anos, a "Alemanha, mesmo sob premissas otimistas, precisaria de um superávit primário de 2%".
Em um estudo não publicado, Thorsten Polleit, economista chefe do Barclays Capital Deutschland, chega a números ainda mais altos. Um superávit primário de 2,7% é necessário para reduzir o nível da dívida para o limite de 60% em uma década, diz Polleit. Ele acrescenta que um superávit de 4,7% seria necessário para alcançar o mesmo objetivo em cinco anos.
Até agora, o governo alemão baseou seu orçamento em previsões de forte desenvolvimento econômico. Não é provável que este seja o caso por muito tempo, especialmente se a economia continuar a esfriar e a receita tributária, a cair. Polleit acredita que o fracasso de Schäuble em economizar durante os bons tempos econômicos agora está causando problemas. "Como medida de precaução, o governo alemão deveria impor um novo programa de austeridade", diz Polleit, observando que, em caso contrário, a Alemanha vai correr o risco de ser avaliada mais de perto pelas agências de classificação de risco. "A nota máxima para os bônus alemães não está garantida".
De fato, a boa vontade que a Alemanha hoje aprecia nos mercados de bônus, para deleite do ministro das finanças, pode se evaporar rapidamente. Os rendimentos do governo alemão estão atualmente em baixas recorde, com os papéis de 10 anos oferecendo retornos de apenas cerca de 1,8%. Mas se as taxas de juros aumentarem em média 1%, o orçamento do governo alemão enfrentará uma sobrecarga adicional anual de $20 bilhões de euros no médio prazo.
Não é suficientemente ambicioso
Ainda assim, Schäuble sente-se seguro. No momento, ele pode facilmente cumprir os requerimentos constitucionais do teto da dívida, que o forçam a continuar reduzindo o déficit. A cada ano até 2015, os novos empréstimos da Alemanha devem permanecer cerca de $10 bilhões de euros abaixo do limite superior imposto.
Isso tem menos a ver com a disposição de Schäuble em cortar gastos do que com o fato que sua estimativa do número base para reduzir a dívida estava alta demais no ano passado. Graças ao alto retorno de impostos, ele agora pode manter os novos empréstimos bem dentro dos tetos da dívida.
O FDP acha Schäuble pouco ambicioso. O partido quer forçar o ministro das finanças a consolidar as finanças de forma mais vigorosa. Os democratas livres estão exigindo que Schäuble já alcance a meta de um orçamento federal sem quase nenhum novo endividamento em 2014, em vez de dois anos depois.
"Ao fazer isso, demonstraríamos como somos sérios sobre organizar nossas finanças", diz o especialista em orçamento do FDP, Florian Toncar. "Valeria cada esforço de nossa parte."
Tradução: Deborah Weinberg

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